Veja: precisamos falar sobre IA.

Moldando novas linguagens de expressão com IA.
Ao explorar o projeto Human Types, Sina Otto, Diretora Criativa de Tipografia na Monotype, experimenta a IA na tipografia, revelando o potencial de ampliar suas possibilidades criativas, ao mesmo tempo em que reforça o valor insubstituível da contribuição humana.
O trabalho de Sina destaca a essência humana – intuição, criatividade e imperfeição – em contraste com a consistência e imitação da IA. Ela ressalta que, embora as ferramentas de IA possam apoiar a criatividade, frequentemente carecem de profundidade emocional e espontaneidade. Ao enxergar a IA como um eco ou um reflexo, Sina conclui que a inovação é impulsionada pela criatividade humana, enquanto a IA amplifica e transforma essa criatividade, em contínua dependência da intenção e emoção humanas
Monotype
Como começou sua vida criativa?
Nasci em um ambiente criativo. Meu avô tinha uma grande paixão por tipografia e pela fotografia 3D, e meu pai herdou sua criatividade. Como designer gráfico e artista, meu pai tinha um estúdio onde eu costumava me refugiar para brincar com todos os materiais. Minha mãe também é apaixonada por arte e artesanato. O pai dela demonstrava sua criatividade como marceneiro e músico. Estudei música clássica, mas nunca quis seguir outra carreira profissional que não fosse o design gráfico. Quando terminei a escola, iniciei uma formação recém-introduzida como designer de mídia em uma agência em Frankfurt, onde éramos pioneiros na área. Pude trabalhar diretamente em projetos reais. Essa experiência prática com projetos concretos me inspirou a aprofundar meus estudos em design de comunicação em Mainz e na Plymouth University, em Exeter.
Qual é sua abordagem ao design?
Primeiro, preciso saber ou avaliar o que deve ser comunicado. Essa pesquisa pode ser muito útil, e então entra em cena a intuição. Frequentemente, trabalho (de forma subconsciente) contra as tendências. Uma boa peça de arte ou de design deve chamar a atenção de alguma maneira, seja divertida, surpreendente ou apoiando outros elementos de forma sutil. Gosto de combinar trabalhos manuais com ferramentas digitais e admiro trabalhos que seguem esse princípio. Às vezes, isso nem é percebido de imediato. Gostaria de criar mais dessa forma. Sou uma grande fã de fusões entre diferentes áreas.
“Se você gosta de tipografia, existe apenas um caminho: ir mais fundo. E sem volta.”
Sina Otto
Como você encontrou seu caminho na tipografia?
Na adolescência, eu me interessava por grafite e letras em músicas. Durante minha formação como designer de mídia e no curso técnico, trabalhei na diagramação de catálogos e folhetos e aprendi sobre microtipografia. Uma das minhas responsabilidades na agência era imprimir fontes com todos os seus estilos em páginas únicas, e fiquei impressionada com a quantidade de pastas que elas ocupavam; a maioria era da Linotype. Na Inglaterra, meu foco foi a tipografia, o que moldou minha trajetória futura em branding, design editorial e direção de arte. Também estudei design de fontes com o designer holandês Lucas de Groot. Quando se entra no universo da tipografia, não há saída – é um caminho sem volta.
Como você enxerga o papel da IA em seu trabalho?
No meu dia a dia, a IA parece desempenhar um papel secundário. Geralmente, a IA é invisível, a menos que se esteja trabalhando diretamente com um software específico. Por exemplo, ao buscar fontes na biblioteca Monotype Fonts, a IA opera nos bastidores para oferecer recomendações que considero muito úteis. Mesmo assim, preciso saber o que estou procurando, ter uma direção e avaliar os resultados. Também apoio as equipes de IA na Monotype avaliando novos desenvolvimentos, algo que aprecio bastante. Ao explorar o tema Human Types, experimentei ferramentas como o Midjourney e o Adobe Firefly. Participei de um workshop em que trabalhamos com um modelo, baseado em prompts, que cria letras em imagens, que depois são vetorizadas e combinadas em um arquivo de fonte. Além disso, acompanho os avanços de IA em outras áreas.
Criando a conexão visual humana com IA.
Sou criativa, sou humana, por Sina Otto + IA.
O que você criou em resposta ao projeto Human Types?
Criei algo que a IA não consegue gerar, apenas modificar ou aperfeiçoar. A forma que desenvolvi também é completamente ilegível para máquinas, mas compreensível por humanos. O visual tem diferentes camadas e permite múltiplas interpretações. Principalmente, analisei como a IA se posiciona em relação aos humanos ou o que ainda percebemos como humano. Comecei com a ideia da inteligência artificial como um eco: a IA pode refletir e amplificar nossa contribuição, replicando‑a de várias maneiras, mas é sempre um reflexo, nunca a origem. O eco (IA) depende inteiramente do som inicial (contribuição humana) para existir.
Minha abordagem com a frase “Eu sou… Eu sou humano.”, apresentada como um eco, foi definir a essência humana. Ela inclui frases que a IA jamais criaria por si só. É algo poderoso, que estimula a autoconfiança por ser expresso no presente e como uma afirmação pessoal. É quase como uma prece. Visualmente, incluí uma alternativa que se aproxima do eco: uma ondulação. Isso transmite o efeito expansivo de um impulso inicial, ecoando como ideias e sentimentos podem se propagar. Também ilustra como a máquina transforma o input dado. Surge algo maior do que a ideia inicial. Às vezes, a ideia original nem é mais clara; ela se espalha após o impulso, como uma pedra atirada na água. Simbolicamente, os visuais do cérebro e do coração refletem a dualidade entre emoção e razão. Nesse sentido, os humanos trazem a essência original, enquanto a IA amplia, transforma ou aprimora, mas sempre permanece um passo distante da fonte da intenção e do sentimento humano.
“Este processo significou muito para mim. Ao aprender sobre IA, também me tornei profundamente consciente da minha humanidade.”
Sina Otto
Letras feitas à mão por Sina Otto.
Evoluindo a forma simbólica para uma conexão com o coração.
O que o trabalho significou para você?
Esse processo significou muito para mim. Ao aprender sobre IA, também me tornei muito consciente da minha humanidade. Experimentei uma série de emoções ao longo do projeto: entusiasmo pelo tema, dificuldades por não ter uma ideia, sentimentos de fracasso, a necessidade de me conectar com outras pessoas, experimentar, entrar em um fluxo, estar feliz, ser muito crítica e, finalmente, me sentir aliviada e muito grata por ter tido a chance e o tempo para trabalhar nisso.
Como você vê humanos e IA trabalhando juntos?
Em primeiro lugar, são os humanos que estão treinando modelos de IA para se tornarem como nós, ou uma melhor versão de nós mesmos (seja lá o que isso signifique). Talvez seja isso: estamos tentando criar máquinas que funcionem perfeitamente. A humanidade é a imperfeição. Agora estamos começando a treinar a IA para ser imperfeita, principalmente em campos artísticos. Podemos usar os erros (ou surpresas) que a IA gera, juntamente com os nossos próprios, para criar algo único.
A IA entrega e nós fazemos escolhas. Ainda precisamos saber o que é uma boa escolha e como fazer a curadoria. Precisamos, mais do que nunca, de educação, experiência e de estar em contato com os outros e com nós mesmos.
O que é particularmente interessante são as variações que a IA oferece, especialmente aquelas que podemos escolher durante o processo para continuar moldando o trabalho. De certa forma, estamos co-modelando.
Em 1999, David Bowie falou sobre o poder transformador da internet: “A interação entre o usuário e o fornecedor será tão simbiótica… Acho que o potencial do que a internet fará à sociedade, tanto para o bem quanto para o mal, é inimaginável”. Estamos diante de outra era com a IA, e não podemos ignorar seus pontos negativos. Um grande problema é o consumo de energia, o que exige a busca e o desenvolvimento de soluções mais sustentáveis.
Se fizermos da maneira certa e evitarmos soluções rápidas e superficiais, há uma boa notícia: a criatividade se tornará ainda mais essencial, já que o domínio técnico terá um papel menor no processo à medida que a IA assume essa função. Essa mudança oferece mais tempo para desenvolver novas ideias, se assim decidirmos aproveitá-lo. Ainda assim, começar com soluções bem elaboradas pode levar a resultados mais extraordinários. A IA nos desafia a descobrir o que nos torna verdadeiramente humanos, não substituindo nossa criatividade, mas amplificando‑a. Ela nos dá o poder de explorar novas possibilidades. Juntos, humanos e IA não apenas moldam letras, mas também criam novas linguagens de expressão. Parafraseando novamente Bowie: “O amanhã pertence àqueles que conseguem ouvi-lo chegando”. Se estivermos prontos para mudanças, podemos abraçá-las e moldar o futuro.
Explorar
Type Trends 2025. Novidades e perspectivas no mundo na tipografia, pelo Monotype Studio.